Propriedade Condenada ou A força da composição do movimento, por Antonio Rodrigues

Foto: Eduardo Siemens

Foto: Eduardo Siemens

Antônio Rodrigues é ator e diretor da Cênicas Cia de Repertório

Antônio Rodrigues é
ator e diretor da Cênicas Cia de Repertório

Propriedade Condenada ou A força da composição do movimento

Por Antônio Rodrigues

Teria aquele adulto se esquecido de como era bom soltar pipa, teria ele perdido as memórias de outrora ocupado com os afazeres do dia. Rezo pra que um dia as memórias retornem e com elas a alegria de soltar pipa.

Autor desconhecido

Com uma imagem de impacto, somos recebidos nos primeiros instantes de “Propriedade Condenada”. Um garoto brinca livremente com sua pipa ao vento. Seus movimentos são conduzidos pela poesia do objeto. Seu corpo é resposta viva ao jogo, objeto e ator se fundem como se fossem uma extensão um do outro. Aos poucos o público vai sendo levando à atmosfera que é impressa nessa montagem da Cia de Teatro da UFBA que recebeu encenação de Érico José. Tennessee Williams é um dos maiores dramaturgos americanos do século XX, suas peças mais conhecidas são, Um Bonde Chamado Desejo (1948) e Gata em Teto de Zinco Quente(1955), pelos quais recebeu o Prêmio Pulitzer.

O garoto da pipa é Tom (Augusto Nascimento), que tem seu momento lúdico interrompido pela entrada da garota Willie (Uerla Cardoso). Menina com nome de menino, a garota Willie vive seus dias a caminhar pelos trilhos numa trajetória em desequilíbrio, tal qual a sua vida. A partir deste encontro, a história de Willie e sua família vai sendo revelada e dissecada aos poucos, aos pedaços, assim como o estado da propriedade da família, onde só restam os escombros e seus fantasmas.

Foto: Eduardo Siemens

Foto: Eduardo Siemens

A composição dos intérpretes é um dos pontos fortes da montagem. Os corpos são máquinas de movimentos precisos, a biomecânica meyerholdiana está presente como norteadora do trabalho corpóreo dos atores, na precisão das partituras, nas oposições das imagens e na musicalidade dos movimentos. A direção de arte transforma as personagens em espectros, reforçando a influencia da dança da morte, Butoh. Diante da crueldade e da terrível realidade do homem frente a frente ao seu século, sem máscaras e sem comiseração, são revelados os fragmentos da história de Willie e de sua família. É repulsiva e aterrorizante, porque é verdadeira na sua essência. É muito duro ver essa realidade. Os corpos dos atores são vivos, móveis. Os espasmos sucessivos, as contrações arrepiantes são revelações íntimas de suas memórias. Vale ressaltar que os figurinos e a maquiagem contribuem de forma decisiva para que se tenha essa interação ator-corpo-movimento.

A encenação de Érico José tem uma forte escrita, com ritmo alucinante e bem demarcado, deixando a assistência em estado de prontidão o tempo todo. A disposição da cena também aproxima e estabelece uma outra qualidade com a qual se recebe a cena. Vi a montagem no Teatro Capiba em outra disposição de cena, mas desta vez, no Teatro Marco Camarotti, o espetáculo foi mostrado tal qual foi concebido e isso acentuou as intenções da escrita cênica em relação ao espectador, ganhando em potencia.

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Foto: Eduardo Siemens

Prestem atenção em Uerla Cardoso, seu trabalho na composição da Willie mostra que é uma atriz com recursos e de grande poder imagético e comunicador. Com certeza “Propriedade condenada” é uma grata surpresa, um exemplo de vigor da cena teatral.

Assista o Teaser de Propriedade Condenada: http://www.youtube.com/watch?v=ezd8Oj3qBrA

Ficha técnica
AutorTennesse
Williams/encenação/iluminação/maquiagem/cenografia/adereços/figurino/preparação   de elenco Érico José/sonoplastia/assistência de encenação/preparação de elenco Vinícius Lírio/figurino/atuação (Willie)Uerla Cardoso/atuação (Tom) Augusto Oliveira/textura sonora Felipe André

2 comentários em “Propriedade Condenada ou A força da composição do movimento, por Antonio Rodrigues

  1. Leidson Ferraz disse:

    Texto bem condizente com o que pude apreciar! Parabéns à equipe, a Toni, e especialmente a Érico José, pela constante investigação.

  2. Breno Fittipaldi disse:

    Adoro esse espetáculo, ao mesmo tempo cru e poético. Preciso ver muitas vezes, quero digeri-lo aos poucos.

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