Olivier e Lili ou Leidson e Fatinha, amplificados, por Cleyton Cabral

Foto: Divulgação

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Cleyton Cabral, por Duda Martins: Era o seguinte: por todos os teatros que eu passava, esse cara estava. Seja a peça qual fosse, ele estava ali para assistir. Aí você me pergunta: obervadora demais, você, não? Não. Um cara com três metros de altura, que é tão louco assim pelo teatro, é de chamar atenção. Depois eu descobri sua outra faceta, quando, de repente, cheguei ao Teatro Capiba e ele encarnava um dos personagens em As suas mãos, onde estão? Não era mais espectador, era ator. Depois li o blog Cleytudo e não era mais ator, mas escritor, poeta e etc. Definitivamente, Cleyton é múltiplo. Agora, ele volta a ser um mero espectador e se derrete pela montagem Olivier e Lili, com direção de Rodrigo Dourado. Sua leitura, enriquecendo o teatro pernambucano.

Cleyton

Com quase dois metros de bom humor, Cleyton Cabral espalha suas habilidades pelo teatro, literatura e publicidade – não necessariamente nessa ordem, mas depende do cachê. Assina o blog cleytudo.blogspot.com e a coluna Da cabeça ao cóccix no interpoetica.com.

Leidson e Fatinha, amplificados.

Por Cleyton Cabral

Um sábado de janeiro. Adentrei o Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife, com dezenas de espectadores, para assistir ao espetáculo “Olivier e Lili: uma história de amor em 900 frases”. Fomos recebidos pelos atores Leidson Ferraz e Fátima Pontes.

“-Leidson é punheteiro”; “-Fatinha é frígida”; “-Leidson é um pavão”; “- Fatinha é uma mãe”; “-Leidson é rancoroso”; “-Fatinha é divertidíssima”.

Em “Olivier e Lili…” nada é seguro e tudo está fora de ordem. E, como mero espectador, eu acho isso o máximo. Logo que entramos no espaço do jogo somos surpreendidos pela dupla vomitando pinceladas de suas personalidades. A estrutura narrativa e fragmentária – dramaturgia de tópico – se assim posso dizer, desestabiliza o sentido de profundidade e entrega à plateia uma sensação de superficialidade. Esta dramaturgia não dramática tão cara às formas contemporâneas, segue um caminho oposto aos modelos tradicionais de construção das personagens. Ordem lógica? Estabilidade? Explicações tardias no enredo? Quem for esperando esse teatro vai dançar.

Para começar, o texto é todo composto por mini monólogos como tweets. Através de frases curtas e rápidas, as personagens se intercalam para narrar na terceira pessoa as histórias de vida dos artistas franceses Elizabeth Mazev e Olivier Py. Mas o espetáculo mistura reflexos das identidades dos franceses com as dos intérpretes pernambucanos Leidson Ferraz e Fátima Pontes. As vidas em jogo colocam em questão os limites do real. Nunca sabemos se o que os atores estão dizendo é real ou fictício. Os atores constroem e detonam a cada minuto, nesse jogo de personagem/performer. Eis aí, os deslizamentos de sentidos. Ponto para este teatro que chamam de “contemporâneo”.

O espetáculo é costurado por conexões referenciais as mais diversas para compartilhar memórias íntimas das personagens. Assim, ficamos a par de particularidades dessas quatro figuras. E sim, cruzamos com nossas próprias memórias. O cenário pensando por Júlia Fontes está a favor da encenação. Um imenso quadro-negro com rabiscos e dezenas de cartas e fotografias reforça a ideia de inventário de memórias. Como estamos escrevendo nossa história na grande escola da vida? O quadro serve também de suporte para projeções de Elizabeth Mazev e Olivier Py. Eles “falam” para o público de seus procedimentos artísticos. É muito prazeroso ver dois atores – Leidson e Fatinha – preenchidos de intensidade e ao mesmo tempo leveza em cena.

Você se lembra dos seus primeiros brinquedos? E do primeiro amor? E do quintal da sua casa? Ser confundido com goiabas, mangas, pitombas nas árvores. E as brincadeiras de rua? O primeiro beijo, o primeiro fora? E aquela perda irreparável? Uma história de amizade sob a ótica do amor. Sem ser cafona. De deixar o sorriso largo e o coração apertado. Eu saí do teatro com a força de um touro e a leveza de uma borboleta.

“Olivier e Lili: uma história de amor em 900 frases”. Uma das melhores surpresas da cena teatral recifense em 2012.

Ficha técnica: Texto: Elizabeth Mazev, baseado em “Les drôles: un mille-phrase”. Tradução: Rodrigo Dourado e Wellington Júnior. Adaptação, direção e produção geral: Rodrigo Dourado. Dramaturgismo: Wellington Júnior. Preparação de elenco: Marianne Consentino. Direção de arte: Júlia Fontes. Maquiagem: Gera Cyber. Iluminação: Játhyles Miranda. Direção musical: Marcelo Sena e Rodrigo Dourado. Imagens e vídeos: Márcio Andrade. Operação de Som: Marcelo Sena e Ju Torres. Montagem de luz: João Paulo, César Jeansen e Nadjackson Lacerda. Contrarregra: Fábio Pochard. Treinamento corporal: Anne Gomes. Oficina de voz: Carlos Ferrera. Produção executiva: Luciana Barbosa. Assistência de produção e elenco: Fátima Pontes e Leidson Ferraz. Fotografia de Camila Sérgio.